Coleta de tempos imaginados
2019
Coleta de tempos imaginados, 2019
Museu da Cidade, Fabrica Ligerwood, Campinas.
Este trabalho foi realizado com a participação do publico. Foram realizadas várias caminhadas no entorno do Museu da Cidade e a Estação Cultura de Campinas, com o intuito de abraçar o lugar. O museu reabriu suas portas em 2019 depois de 10 anos de abandono. A ação coletiva permitiu experimentar e imaginar os tempos da cidade a traves da observação e coleta de restos esquecidos. O publico convidado apresentou suas coletas ao resto dos participantes e deixou sua experiência registrada em folhas de papel que ficaram penduradas na parede da exposição.
[20 junho 2019] ação coletiva
Reflexões sobre a experiência
Foi maravilhoso receber a presença de várias famílias, amigos e artistas que conseguiram chegar ao Museu da Cidade. Alguns lembravam do lugar em tempos de sua infância e outros confessavam que a pesar de ter nascido em Campinas nunca tiveram a oportunidade de conhecer o Museu.
O que mais me surpreendeu foi a sensibilidade das crianças, os pensamentos expressados e a e a forma de apresentar cuidadosamente sua coleta. As crianças absorvem o espaço, o lugar, o tempo e as formas como se fossem parte do corpo delas. Tem um olhar sensível e dês-interessado. Cada pedaço de papel minúsculo era tão importante quanto o tênis de adulto o uma tigela branca com restos de sopa. Helena, uma menina de 8 anos mas de corpo pequeno, conseguiu tirar de sua sacola uma coleta que parecia infinita, como o chapéu dos magos que nunca deixam de nos surpreender. Também foi a delicadeza com a qual eles procuravam as coisas dentro da sacola, que deixava o ar em silencio criando um suspense nos adultos. O menino Tom, de 5 anos, fez um arco Iris de pedaços de vidros quebrados e um prego gigante que parecia ser o responsável do acontecido. Outro menino deu um efeito final a sua apresentação com três fósforos usados. Freddy de 9 anos se destaco por apresentar só dois objetos; um pedaço de madeira com cravos e um fogo de artifício que ainda soltava pó de tinta azul Klein. Ele conseguiu escrever um texto extenso e desenhar esses dois objetos, colocados um encima do outro transversalmente. Theo de 9 anos, inspirado em sua coleta de cinco coisas criou uma historia; “O desastre” com um final trágico.
Por sua vez as mães expressaram que tiveram que vencer o preconceito de deixar eles coletar coisas do chão. Foi um exercício de entrega, ver como seus filhos juntavam bitucas de cigarros, pedaços de vidros e arames enferrujados entre outras coisas da terra. De uma terra de cidade, de historia, onde os trilhos do trem abandonado, expressam a antiguidade do lugar que se resiste ao tempo, o se acomoda ao tempo presente. Pregos que perderam sua firmeza inicial se curvam como corpos idosos, as madeiras de lei, dos dormentes, valorizadas por sua resistência infinita agora se descascam como folhas de papel. A terra do lugar recebe sobre suas camadas de memórias objetos descartados do dia a dia, nesse trilho humano que vai contra os trilhos do trem criado por pessoas que atravessam o lugar para chegar a seu emprego. Cruzando desde a Vila Industrial ate o centro da cidade.
Os adultos também ficaram sensibilizados, e desde seu presente criaram varias historias de tempos passados. A professora de português, Ana Elisa, foi a procura de palavras, textos e frases perdidas no chão, criando uma bela poesia com o mesmo esforço de quem respira. Igual que Natalia, a professora de Geografia que foi ao encontro das fronteiras em sua colheita. Assim percebemos que o que procuramos e sempre o que temos dentro. De fora para dentro e de dentro para fora. Os artistas que participaram e que admiro muito, Marcelo, Paula, Afrânio e Olivia lograram fazer uma poesia visual com o mínimo de elementos. Uma harmonia de pensamentos que ainda continuo procurando.
Todos ficaram sensibilizados, mas não tem como ficar imune aos gritos do lugar, o barulho remoto do trem esquecido misturado com o funk da Vila. As plantas de hoje que crescem e resistem desde que o lugar pertencia só a elas. Perto desses trilhos tem historias de oito cemitérios que foram desenterrados e mudados para o Cemitério da Saudade, depois da crise de febre amarela. Esses corpos de imigrantes, de operários e de escravos, que ninguém conseguiria afirmar que todos conseguiram ser trasladados. Tudo esta ali nesse lugar abandonado, rodeado de construções magníficas de um passado glorioso da cidade, que o presente fez o trabalho de apagar essa memória.